quarta-feira

DEJA VU

Luis,

sei bem do que você vai me chamar. Louca. Mas talvez você tenha um motivo, basta que leia esta carta até o fim. De louca você me acusará e tem a prova nas mãos.

Tive um sonho esta noite. Eu caminhava entre uma multidão e, na direção contrária, vinha um homem. Ele trazia uma mochila nas costas. Nossos olhos se cruzaram e eu tive certeza de que era ele. Que seria meu. Que era amor que eu aguardava. Tinha um rosto familiar. Era o irmão de uma amiga da adolescência. Eu vi o irmão dessa garota apenas uma vez na vida, aos 15 anos. Não entendo, nunca troquei palavra com esse cara, nunca mais o vi depois dos 15, nem perto, nem longe. Não sei se hoje é casado, gay, bispo, em que país vive, e se vive ainda.

Lembro apenas do seu nome. Wellington.
Eu e Wellington roçamos um olhar penetrante no meu sonho, então ele passou por mim, e eu por ele, cada um no seu caminho. Alguns passos adiante virei pra trás, olhei, ele estava olhando também, mas nenhum de nós parou. Até que percebi que estava com a mochila dele em minhas mãos, e minha bolsa havia sumido. Não havia explicação. Voltei correndo para procurar minha bolsa, e procurá-lo. O ambiente parecia uma estação rodoviária. Cruzamos outra vez. Ele estava com a mochila dele. E minha bolsa estava comigo.

Sonhos são desse jeito.
Dali em diante, não desgrudamos mais. Ele me pegou pela mão, me levou para algum lugar. As mãos dele nas minhas. Como se já fôssemos namorados. Antes de, qualquer palavra. Então eu disse a ele _ e foi a única coisa dita:
se isso tudo acabar agora, vai ter valido a minha vida. E o beijei.

Dormindo, senti aquele beijo como se Wellington estivesse inteiro dentro da minha boca. Foi um beijo cheio. Longo. Delicioso.
Um beijo enorme, um beijo doce. Quente. Sexy.
Meu corpo reagiu, fiquei excitada, nesse instante houve uma fusão entre sonho e realidade, enquanto o beijava eu pensava: não acorde, não acorde. Mas esse breve instante de consciência me despertou. Eu já não era a mesma.

Luis, foi só um sonho. Mas com a carga de certeza que me perturba e dói.
Eu sou aquela mulher do sonho, atrás de um amor, encontrando um amor, e o perdendo para minha rotina matinal: acordar, tomar banho, levar o filho ao colégio, estudar, trabalhar, almoçar, morrer.

Eu vou atrás dele, Luis.
Não vou fazer terapia, não vou me afogar em uísque, não vou descontar minhas frustrações em você, não vou comprar roupa nova, não vou cortar o cabelo, não vou tomar remédio para dormir, não vou esperar meu filho crescer.

Eu vou atrás dele. Desse homem que nunca conheci de fato, mas existe de outra forma, que existe com outro rosto e talvez com outro nome, que existe no meu futuro, se o futuro eu permitir que aconteça.

Não quero mais o presente, não quero mais a paralisia, o pra sempre. Alguém espera por mim. Alguém não vê à hora de eu chegar. Eu não vejo essa hora.
Daqui, não alcanço esse sonho. Eu me vou.

Não é o momento de falar sobre coisas práticas. Se estivéssemos conversando pessoalmente, além de me agredir verbalmente, você faria perguntas irritantes: e nosso filho, nosso cachorro, dinheiro, nosso apartamento, como explicaremos, como faremos e nossa reputação, e nossa viagem de férias? Esqueça tudo isso. Me enxergue.
Eu preciso daquele beijo antes que não seja mais capaz.
Não quero amantes.
Não quero a mentira.
E nem o sonho quero mais. Eu necessito daquele beijo para seguir acordando todas as manhãs. Senão, vou desejar dormir cedo todos os dias, fugindo para poder extrair do imaginário uma vida que não tenho.
Aquele beijo me despertou para o meu vazio. Quero um amor dentro da minha boca.

Luis, antes de chamar um advogado, sente no sofá com esta carta nas mãos e chore por mim, me sinta, faço um esforço para ir além das questões burocráticas de um casamento.
Me reconheça ímpar. Impaciente. Só. Muito antes de louca. Muito antes e muito mais. Louca é pouco.

Vou passar o final de semana fora, sozinha. E, quando voltar, as perdas serão calculadas, as malas serão fechadas, nosso filho será preservado e as vidas seguidas.
E eu, então, irei atrás do meu instante.

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