segunda-feira

A visita - VERISSIMO

O Marquês de Sade faz uma reverência quase até o chão. Está recebendo Leopold von Sacher-Masoch para chá em sua residência.

- Meu caro von Masoch! Que honra recebê-lo em meu humilde chateau!

-Meu caríssimo Marquês. Enfim, nos encontramos!

- Deixe-me tirar esse pesado casaco de farpas que carregais sobre a pele.

- Pode deixar, eu gosto assim.

- Entrai, entrai.

von Masoch entra no salão principal e Põe-se a examinar a decoração.

- Que bela coleção de miniaturas! Oh, uma guilhotina de dedo. Funciona?

- Experimente.

Zupt!

- Charmat! – diz von Masoch, mostrando o toco do dedo decepado.

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- Querido von Masoch, por que nunca nos encontramos antes?

- Talvez porque não somos contemporâneos. Você é de quando?

- 1740 a 1814. Você?

- 1835 a 1895.

- Seria mesmo difícil. Mais razão para desfrutarmos este encontro fictício. Sente-se.Sente-se.

- Uma cadeira de pregos! Senhor Marquês!

- Mandei prepará-la especialmente para sua visita...

- A manisfestação mais alta do espírito humano é a hospitalidade.

- A fidalguia obriga.

- Retribuirei sofrendo, para o vosso deleite.

- Não esperava outra coisa de uma sensibilidade tão nobre.

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- A cadeira está suficientemente desconfortável, herr von Masoch?

- Sim. Perfeita. Obrigado.

- Como querei vosso chá?

- Fervendo.

O Marquês prepara-se para servir o chá, mas von Masoch recusa a xícara.

- Pode ser na mão mesmo.

O Marquês despeja chá fervendo na mão do visitante, que geme.

- Aaaahnnn... Obrigado. Está delicioso, De alguma forma, eu sabia que você seria o anfitrião perfeito.

- Posso oferecer, a seguir, canapés, éclairs ou chicotadas.

- Chicotadas, por favor.

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Sade e Masoch, finalmente juntos. De certa maneira, somos a dupla definitiva. Uma síntese humana, nos extremos da paixão. O prazer de dominar, o prazer de ser dominado. O êxtase de ser soberano, o êxtase de ser submisso. Pode-se dizer que a História da humanidade não passa de um minueto metafórico que dançamos juntos, através dos tempos.

- Essas chicotadas...são para agora?

- Somos o egoísmo humano na sua forma pura, além do bem e do mal. Somos a racionalização dos instintos, e a bestificação da razão. Chegamos à extrema lucidez do homem, que é reconhecer nas suas próprias taras o que tem de mais humano.

- Por favor . As chicotadas ...Eu as aceito.

- E o mais terrível. Somos os únicos seres sobre a terra que não podem viver sozinhos. Se Deus tivesse criado Masoch, teria que tirar sua costela para fazer de Sade. Sem anestesia, claro. O que quer dizer que também somos, à nossa maneira, símbolos da cooperação entre os homens.

- Senhor Marquês, não quero ser impertinente, mas...As chicotadas.

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- O sádico e o masoquista são os únicos seres genuinamente sociais da Criação, pois precisam um do outro. Eles não se bastam. Não se satisfazem sozinhos. Sem o outro não são nada.

- Quero as chicotadas agora!

- Não.

- O quê?

- Não vou chicoteá-lo.

- Mas...Sr.Marquês! É seu dever de anfitrião.

- Não.

- Eu quero ser chicoteado. Eu preciso ser chicoteado. Eu exijo ser chicoteado.

- No meu chateau, só chicoteio quem eu quero.

- Mas...Isto é sadismo! Da pior espécie!- Obrigado, obrigado.

E o Marquês faz outra mesura, quase até o chão.

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